Classe
média ou remediada?
Quando
viajamos para países abundantes é fácil conseguir encaixar-se em alguma classe
social por puro empirismo comparativo: “esse aqui é parecido comigo, logo sua
classe deve ser a minha”. Ainda há uma sensação nítida de fronteiras
delimitadas e abertas entre os diferentes níveis sociais.
A imensa
maioria dos brasileiros que viaja para o lado rico do mundo se reconhece na
classe média mas quando voltamos para cá, encontramo-nos na classe mais
favorecida.
Superficialmente,
parece lógico: a definição de classe se dá de forma diferente país a país
porque é uma questão de poder de consumo. Rico em Uganda é classe média nos
Estados Unidos, pobre nos Estados Unidos é classe média em El Salvador e pobre
no Brasil é pobre em qualquer lugar do mundo.
Mas a
definição de classe social deveria ser mais complexa e não levar em
consideração apenas diferenças de poder de compra.
Para Max
Weber, ela se dá em função de 1) oportunidades econômicas 2) status, identidade
e orientação cultural 3) poder e capacidade de exercer influência individual ou
coletiva sobre as políticas.
E aí
complica mas também também explica melhor porque somos da Classe A aqui e
seríamos da classe média lá. E não é só uma questão de renda.
Mas é
difícil estabelecer políticas de mobilidade social considerando essa abordagem
teoricamente mais correta porque status e poder não são quantificáveis. Também
é arriscado entender que a vida das pessoas melhora quando elas consomem mais.
Ainda
assim, precisamos de um balizador que possa orientar a movimentação ascendente
da população.
Em
interessante artigo na Quarterly Americas, Luis Felipe López-Calva, economista
chefe sobre pobreza do Banco Mundial propõe outro critério. Mais simples, mais
intuitivo, mais mensurável também.
Resumidamente,
ele demonstra que se considerarmos que a classe pobre da base da pirâmide pode
ser definida por status nutricional (tem dificuldade de colocar comida na mesa)
o critério que melhor definiria a classe média seria a sua segurança de não
voltar a ser da classe mais pobre. Essa vulnerabilidade relativa é que deveria
classificar as pessoas da classe média.
Empiricamente
é fácil constatar que esse critério é coerente. Quem pertence à classe média
num país rico sabe que dificilmente passará fome, mesmo que suas condições se
deteriorem, porque possui uma segurança educacional, cultural, de
relacionamentos, de crédito, de patrimônio, etc. que lhe dão estabilidade e
segurança. Mesmo que o país entre em recessão, mesmo que haja uma guerra ou
catástrofe natural.
Se esse
critério parece inteligente, também coloca suspeitas sobre o discurso ufanista
da recente explosão da classe média no Brasil. O que vem acontecendo no país é
sim o crescimento do poder aquisitivo. Mais ter mais consumo não significa ter
mais classe média porque não existe estabilidade. É tudo muito recente, é
verdade, mas mesmo assim, as políticas públicas e privadas não são dirigidas
para dar segurança às pessoas que emergiram quase que acidentalmente da
pobreza.
Dona Maria
do Socorro, mãe solteira, tem renda familiar de R$ 1.800,00 e 3 filhos. Seus
filhos estão empregados e ganham o salário mínimo mas pararam de estudar. “fico
insistindo para eles voltarem para a faculdade, estudarem, mas eles me dizem
que não precisam de mais estudo porque afinal estão empregados”. Esse é o drama
do pleno emprego e principalmente da inversão de valores que vem se operando no
país concomitantemente com seu suposto bom momento. Não há mais correlação
entre estudo e sucesso profissional – os exemplos são óbvios: de jogador de
futebol a presidente da república – e existe apenas um valor de vida: a
capacidade de consumir mais. Basta assistir a qualquer novela, conversar com
qualquer pessoa, passear em qualquer shopping center para constatar essas
mudanças de paradigma na sociedade brasileira.
Mas é
evidente que o pleno emprego é um fenômeno temporário, uma bolha. Amanhã,
precisaremos (na verdade hoje, agora e imediatamente) de pessoas mais
qualificadas e instruídas. E nem precisa ter tremedeira econômica no mundo. É
uma questão de lógica: a população aumenta mais do que a capacidade do país de
prover infraestrutura para uma vida saudável, pacífica, segura.
É também
óbvio que essa exacerbação do consumo como bússola de mobilidade social é uma
cortina de fumaça e um círculo vicioso. Quanto mais se consome, mais se quer
consumir e quanto mais se quer consumir, mais se precisa de dinheiro e quanto
mais se precisa de dinheiro, mais a gente se endivida. De novo, é ululante.
Não temos
uma classe média no Brasil, ainda. E esse “ainda” depende de não fazer a
política da auto-enganação. É assumir que ter uma classe média é uma meta e não
um fato. Mas é principalmente revisitar as políticas de consolidação do
inegável – e merecido – esforço que o país vem fazendo nos últimos anos. É não
achar que as soluções do passado ainda são boas. E como sugere o autor do
artigo, criar políticas que consigam dar segurança e estabilidade para a classe
remediada (e não média) brasileira.
Mas também
fazer a nossa parte e encontrar argumentos que ajudem a Dona Maria do Socorro a
fazer seus filhos voltarem a estudar. Fazer a nossa parte e parar de enaltecer
uma cultura de massa alienadora.
Excelente texto. Infelizmente o consumismo está guiando as pessoas, e muitos não conseguem perceber o risco que é isso.
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